A GUERRA DOS BOTÕES – REVISTA PLACAR – JANEIRO DE 1982

guerra dos botoes -00A GUERRA DOS BOTÕES

A curtição cresce. Mas cada um só joga na sua regra.

Até ministros, como Delfim Netto, e artistas, como Chico Anísio, divertem-se com seus botões. Os cartolas, entretanto, vivem brigando entre eles
De um lado da mesa, Delfim Netto; do outro, Murilo Macedo. Eles chutam de casquinha, executam jogadas de efeito e dão dribles desconcertantes. Num jogo empolgante, cada um deles exibe toda a sua raça e técnica em lances de grande estratégia. A pequena porém fanática torcida acompanha a partida com intensa expectativa. Esta imagem não é nenhuma alucinação, pois qualquer dia desses pode ser uma cena real. protagonizada pelo versátil ministro do Planejamento e pelo sempre bem disposto ministro do Trabalho. Afinal, eles estariam exercitando nada mais nada menos do que uma de suas mais novas paixões – um jogo de futebol de botão.

Na lista de ilustres adeptos, que já engloba Chico Buarque de Holanda, Chico Anísio e o zagueiro Edinho, do Fluminense e da Seleção Brasileira, engrossada agora por Delfim Netto e Murilo Macedo, o futebol de botão – ou de mesa, como queiram – poderá talvez encontrar a força que lhe falta para resolver um de seus mais sérios problemas: a unificação das regras do jogo, única saída para a sua definitiva expansão.

Eles nem reconhecem a sua confederação

E as regras são muitas, criadas por vários grupos isolados em todo o país, cada um defendendo a sua como sendo a melhor. Essas posições dogmáticas impediram -me ainda impedem – a criação de Federações e, conseqüentemente, o reconhecimento oficial da Confederação Brasileira de Futebol de Mesa, que já existe no Rio de Janeiro.

Em 1962, do mesmo modo, foi criada a Federação Paulista de Futebol de Mesa, mas cinco anos depois não se ouviu mais falar dela. E a explicação que os botonistas encontram para isso é que o jogo fica sem graça ao se tomar oficial e sério, perdendo então aquela descontração dos doces anos de infância, quando os meninos faziam as regras e, por um acordo de cavalheiros, nem se atreviam em discutir a legalidade delas.

Foi por esse motivo que fechou a Felibolu – Federação Livre de Botobol e Outras Ludicidades, criada em São Paulo na década de 70 para reunir os craques da época em torno de um regulamento oficial.

Mas existem botonistas que se esforçam para dar uma estrutura nacional ao jogo, praticado de norte a sul por engenheiros, médicos, artistas, estudantes enfim, uma verdadeira multidão de pessoas anônimas e nem tão anônimas. José Mesquita, do Colégio e Faculdades São Judas Tadeu, em São Paulo, é uma delas. Ele acha que o mais importante agora, é a organização do jogo em termos de Brasil:

– Veja bem. Não há necessidade, a princípio, de se unificar as regras do botão. O importante mesmo é reunir o pessoal. Posso fazer um campeonato brasileiro na regra paulista, outro na regra carioca. Mas o ideal é ter a presença de todos para se chegar a um denominador comum. A unificação das regras tem que partir de baixo para cima e não de cima para baixo. Em São Paulo, lembra Domingos Varo, também do Colégio São Judas Tadeu, existe até um campeonato de botão com 14 clubes, cada um com 20 jogadores. Quem cuida de tudo é o COM – Comissão de Organização e Fiscalização das Integraçóes, com sede no mesmo colégio.

São Paulo e Santos têm regras unificadas, mas o interior do Estado ainda não. A idéia de Mesquita, no momento, é a de criar a Associação Paulista de Futebol de Mesa.

Uniformizar ainda é um grande problema

Em Minas, a situação já é diferente: as regras e as divergências separam o botonistas. Há sete anos, um comerciannte conhecido como Baianinho importou da Bahia uma série de regras que não combinavam com as dos mineiros. Baianinho quis impor a regra de um toque e o uso de bola chata, enquanto a maioria dos jogadores mineiros estava acostumada ao toque contínuo e às bolas de feltro ou cortiça. O jornalista e advogado Francisco Moreno Neto, dono de “Pelé”, um botão de casaco que comprou por 10 mil réis em 1943 e que não vende nem por 10 milhões de cruzeiros, segundo afirma, está desanimado com as divergências. Ele, um fanático, de tanto ser obrigado a jogar com regras de um, dois e três toques, acabou desistindo de competir, entregando todos os seus times aos filhos, inclusive o precioso “Pelé”.

Diante do impasse nos regulamentos, há quem proponha a “constituinte dos botões”

A guerra dos botões agita o Brasil inteiro, tornando difícil a unificação das regras. Veja-se por exemplo o gaúcho Lenine Macedo Souza, presidente da Federação Rio-Grandense de Futebol de Mesa. Ele aceita a uniformização desde que sejam adotadas as regras que ele próprio criou e registrou em cartório. Por sua vez, Agacir José, presidente da Federação Paranaense de Futebol de Mesa, já em 1972 propunha uma espécie de constituinte que se reuniria em Curitiba, numa tentativa de unificar as regras. “Caíram de pau” na proposta, diz ele, porque naqueles Estados o jogo de botão era e é praticado de maneira bem diferente. A tal constituinte não saiu. Mas Agacir, dez anos depois, acredita que um congresso assim ainda seria o melhor caminho para dar estrutura nacional ao esporte. Apaixonado pelo jogo. Agacir José escreveu até um livro para mostrar não só as regras adotadas no Paraná como as de outros lugares. No livro, ele conta que Santa Catarina e São Paulo seguem “mais ou menos” as regras dos botonistas paranaenses e mostra algumas diferenças com as dos gaúchos e baianos. Eis as principais:

1 – A bola. Uma polêmica radical. Há quem adote a de feltro ou cortiça, redonda. e há quem exija a bolinha achatada, tipo pastilha.

2 – Toques na bola. Cada jogador pode dar um, dois ou três toques na bola. dependendo do Estado em que se encontrar.

3 – Traves. O tamanho da trave e do goleiro variam no Brasil inteiro.

Solução pode estar num bom calendário

Que fazer? Jomar Moura, atual presidente da Associação Baiana de Futebol de Mesa e futuro presidente da Associação Brasileira de Futebol de Mesa, não concorda com as ponderações do paranaense Agacir José. Segundo ele, mais de 70% do país usa a regra adotada pela ABRA em 1967. Jogar com bola redonda? “É ridículo” – comenta Jomar.

Diante de todos esses problemas, a solução poderá surgir nos futuros campeonatos nacionais que a própria Associação Brasileira de Futebol de Mesa está organizando com um calendário preparado até 1986. Mesmo nos atuais campeonatos já se registra uma tendência: os cariocas, que usam bola de feltro e têm também dimensões próprias para os “gramados”, aceitam as regras do jogo. Entre elas, a bola chata.

Essa tendência – quem sabe para unificar depois outras regras, como o tamanho do campo, do goleiro, etc. – poderia se fortalecer a partir de Brasília. no momento em que Delfim Neto e Murilo Macedo “entrarem em campo” para o esperado desafio: em vez de bola redonda eles deslumbrariam a torcida com uma bola achatada.

® Equipe Placar