O MENINO E SEUS BOTÕES

O MENINO E SEUS BOTÕES - Foto: Alexandre Giesbrecht em http://blog.pittsburgh.com.br/2011/03/memorias-jogo-de-botao/O apartamento pequeno e a tarde vazia. A televisão começava apenas de tardezinha e era preciso usar a imaginação. A madrinha lhe deu um livro e um jogo de botões. O livro ficou em cima da mesa da sala, intocado – Monteiro Lobato e Emília podiam esperar – difícil era escapar ao fascínio dos jogadores de plástico.

Duas equipes, vinte e dois jogadores. Leão, Eurico, Luís Pereira… Sérgio, Forlán. Os nomes gravados na memória. O pedido pra mãe comprar outros times. O silencio do apartamento subvertido pelos campeonatos organizados nos cantos do caderno escolar: Coritiba x Fluminense, Flamengo x Santos. A mãe se surpreendendo ao ver o moleque calado narrando os jogos, gritando gol, imitando os comentaristas. Estádios surgindo no chão do corredor, no taco do quarto, na umidade da cozinha.

A revista Placar trouxe novos esquadrões. Honved, River Plate, Ajax. Os nomes dos jogadores se multiplicando. Aprendeu a desenhar as camisas destas equipe quando não dava para encontra-las na Camisa 12 de Placar. O menino aprendeu sobre a Kiev ocupada, descobriu Superga, encontrou consolo e companhia no duelo de Barbosa contra os carrascos de 50.

Tempo que passa. Os botões foram perdendo espaço para os Beatles e Led Zeppelin. Chico Buarque a ditadura ficaram mais importantes. O vestibular e as garotas ocuparam a grande área do seu coração.

Os botões foram guardados e deixados no armário da saudade. De vez em quando, revolvendo o passado, ele se colocava com os botões, quase querendo jogar novamente. Mas aquilo era coisa de criança.

Outros anos, outros tempos, outros sorrisos e lágrimas. O menino viu seus antigos ídolos de plástico desaparecendo envelhecidos, soturnos. O mundo romântico e as fantasias dos jogos imortais soterrada pela realidade mórbida da correria desenfreada do lucro. Amor e ódio. Amizade e descrença. O menino virou gente grande com a leve impressão de que a única felicidade deste mundo reside num jogo de botão.

Então, quase cinquentão, o menino chega em casa, ouve gritos de gol, falta, impedimento. Parece que está ficando louco, pois são os sons da sua infância perdida, sons do antigo apartamento apertado onde vivera com seus pais e sua solidão.

E eis que observa na mesa da sala, o filho brincando com os velhos amigos, repetindo antigos bordões que aprendera com ele nas peladas na praia, perdido no sonho de um jogo de futebol de botão.

E o menino sorriu, embora trouxesse dentro de si uma imensa vontade de chorar…

Por ROBERTO VIEIRA